Sex-shop e tolerância zero: é proibido proibir!
Diaulas Costa Ribeiro
Promotor de Justiça Professor Universitário
Sex-shop. [Do ing. sex + shop]. Loja onde se vendem complementos sexuais. Hipocrisia: (Do gr. hypocrisía, pelo lat. hypocrise+ia). Impostura, fingimento, simulação, falsidade, falsa devoção. Erótico: [Do gr. erotikós, pelo lat. eroticu.] 1. Relativo ao amor. 2. Inspirado pelo amor; que tem o caráter de lirismo amoroso: 3. Inspirado ou provocado pelo erotismo: Sensual, lascivo. Obsceno: [Do lat. obscenu.] 1. Que fere o pudor; impuro, desonesto. 2. Diz-se de quem profere ou escreve obscenidades.
O Estado Democrático de Direito não pode ter polícia de costumes. O Estado Constitucional não pode resolver hábitos e práticas privadas, nas delegacias. A sexualidade de cada um, num regime de liberdades, não pode ser censurada por uma agência oficial. Toda pessoa maior de idade tem direito constitucional à opção sexual. Tem direito à escolha e à busca infinita da felicidade. Num país que instituiu a livre orientação sexual como garantia constitucional, essa busca pode ser por outra pessoa, do outro sexo ou não. Mas pode ser a busca por uma simples revista de nus, um filme, uma peça de teatro ou adereços menos virtuais. E não passaria de uma falsidade, de um engodo, dizer que livre é a opção sexual; restringida é a sua busca. Fechar um Sex-shop limita exatamente essa busca. É uma opção a menos.
Um filme com cenas de sexo ou uma revista de nus, gostem ou não, é uma obra de arte. Não podem sofrer censura nem na produção nem na distribuição. E não teria sentido no nosso sistema democrático, um filme ter proteção constitucional e um vibrador ou uma boneca inflável, para uso privado, não. A liberdade de vender complementos sexuais para adultos tem a mesma dimensão da liberdade de imprensa, de criação artística ou do direito de ir e vir: só não pode atentar contra crianças e direitos de outras pessoas. Mas essa venda em recinto fechado não constitui crime. Inclusive, a interpretação legal para limitar direitos e garantias fundamentais deve ser restritiva. O mais literal quanto possível. E, neste caso, o Código Penal considera crime a exposição e a venda de produtos obscenos. Mas não proíbe a exposição e a venda de produtos eróticos. Complementos sexuais, para a busca do prazer, a dois, a três ou só, não são obscenos; são eróticos. São eróticos porque se aproximam o mais que podem do ser humano. Os vibradores imitam pênis e vaginas. A bonecas ou bonecos infláveis são cópias anatômicas do corpo humano. E o corpo humano, in natura, não é obsceno. O nu não é obsceno. A relação sexual é um ato erótico; jamais um ato obsceno. Se alguém tiver dúvidas disso, procure um dicionário ou um analista. E faça isso urgente.
O que seria obsceno? Relação sexual (ato libidinoso etc..) entre ou com crianças é obscena. A venda de fotografias, filmes ou objetos que possam fazer essa associação é criminosa. A pedofilia, inclusive a virtual (Internet), é criminosa porque é obscena.
Por fim, as autoridades policiais afirmaram à imprensa que a última ação contra Sex-shops foi em 1995. Talvez alguém tenha se esquecido, mas esse foi o ano do início do mandato do governo local. O mesmo que durante quatro anos fez vista grossa para todos os problemas da segurança pública cidadã. Agora, sem resolver qualquer deles, sem dar tranqüilidade aos brasilienses, a não ser àqueles que trabalham no comitê de uma outra reeleição, a sua polícia investe contra o mercado do sexo.
Por que não o fez antes? Por quê agora?
— Porque este é um ano eleitoral. «Isto é elementar meu caro Watson». Os outros não. E qual seria a relação entre ano eleitoral e Sex-shop? Se abstrairmos que em ambos se vendem fantasias, há outra questão bem subliminar:
— Todos nós vimos no mês passado a campanha do populista Rudolph Giuliani, prefeito de Nova Iorque, contra os Sex-shops da «sua» cidade. A exterminação de todos os segmentos desse mercado é sua última cartada para dar sobrevida ao projeto Tolerância Zero, e, quem sabe, a uma «re-reeleição» (Se a moda pega...). Um projeto mediático, que não respeita direitos assegurados na Constituição americana. A operação Tolerância Zero tem muita intolerância, pouca segurança. Muita repressão, pouca solução. Muito cerceamento de direitos e garantias. Tem muito de tribunal de inquisição, pouco de corte constitucional. Tolerância zero rima com China. Não rima com democracia. É operação «caça às xuxas».
Há uma enormidade de decisões judiciais, amparadas em pareceres e estudos do Ministério Público afastando o crime que novamente se imputa aos Sex-shops. É possível que essas decisões não tenham chegado à Polícia Civil do DF. E enquanto não se encurtar a distância entre o Palácio do Povo (Sede do Ministério Público), o Palácio da Justiça (Sede do Poder Judiciário local) e o Palácio do Buriti (Sede do «Chefe» da Polícia) todo o trabalho da delegacia de costumes cairá no arquivo. É perdido. Melhor direi: dinheiro do contribuinte jogado na fogueira. Isso não é legal.
Há, portanto, uma íntima ligação entre polícia de costumes — fechar Sex-shops, prender prostitutas, proibir filmes e teatro eróticos — e a operação Tolerância Zero. E fechar Sex-shops e prender prostitutas neste ano eleitoral não é mera coincidência: Tolerância Zero é o mote de campanha do mais forte concorrente do atual governo. Foi ele, o concorrente, quem prometeu importá-la, trazendo especialistas de lá para traçar sua nova política de segurança pública. Mas antes que ela chegue oficialmente, o governo legal, usando a polícia, já se antecipou em dar a sua parte na operação intolerância total, lançando mão à pior parte de um instrumento de repressão política, social, cultural e sexual do Estado Novo: o Código Penal de 1940, um decreto editado na vigência da Constituição de 1937, cheio de absurdos e ranços moralistas, mas coerente com sua época. Ou seja, sem ser explícita, a delegacia de costumes, uma espécie de DOPS para os «imorais e devassos deste planalto central», está fazendo o contraponto da campanha política. Talvez tire alguns votos de um. Talvez tire de outro. E isso é o que vale. Talvez tenha consciência disso. Talvez...
Infelizmente, a polícia, que deveria ser uma brigada de proteção aos direitos do cidadão, está fazendo um papel de instrumento do confronto político-partidário. Veja-se, por exemplo, a quantidade de delegados e militares que disputam este pleito. E é por isso que defendo a incorporação das Polícias Civil e Federal ao Ministério Público. Este, por sua vez, deverá romper todos os seus laços com essa mesma política-partidária, «assumindo o seu papel de Magistratura»: uma magistratura em defesa do cidadão. Sem demagogia. Sem promessas. Com ação. Com trabalho.
O Ministério Público é a quarta roda desse carro chamado Estado Democrático de Direito. Espera-se que essa roda rode. E rápido.
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